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ROMEU MARTINS e a arte de adaptar Lovecraft

Por: Diego Aleluia Jaffré

Romeu Martins é um jornalista catarinense que publicou contos de FC, Fantasia e Terror em mais de uma dezena de antologias de diversas editoras nacionais, tendo recebido um dos mais importantes prêmios dedicado à literatura fantástica brasileira, o Argos de 2015. Teve seu conto E Atenção: Notícia Urgente! traduzido como Breaking News e lançado nos EUA pela World Weaver Press, tendo sido indicado pela editora para concorrer ao prestigiado Pushcart Prize em 2018. Para a Darkside Books, organizou a antologia de contos clássicos de terror brasileiros Medo Imortal, em 2019. Também escreve quadrinhos: já lançou as graphic novels Domingo, Sangrento Domingo e Justiceiro Joceli e a Ilha da Ponte de Prata. Pela Editora Skript publicou Ar Frio e A Cor que Caiu do Espaço, indicado ao Troféu HQMix e ganhador do Prêmio Odisséia Fantástica, e mais recentemente A Fera na Caverna.


 


Diego Aleluia Jaffre: Recentemente o mercado nacional foi invadido com obras de Lovecraft, geralmente sempre apelando para o famoso panteão cósmico do autor. Mas, Ar Frio é um conto muito mais ligado ao body horror e a ficção científica, como você vê essa relação de Lovecraft com temas além de Cthulhu?


Romeu Martins: Concordo com você, existem uma série de ideias pré-concebidas sobre o que seria uma típica história lovecraftiana. Boa parte das pessoas que criticam o autor, parecem achar que absolutamente todos os contos dele podem ser resumidos com o esquema: narrador se mete onde não devia, surge um monstro indescritível, narrador fica louco. Quem leu mesmo H. P. Lovecraft sabe que a obra que ele criou cem anos atrás é um tanto mais complexo e variado que isso. Quando surgiu a oportunidade de fazer essas adaptações, eu procurei mesmo evitar contos mais clássicos e portanto bem mais explorados, como "O Chamado de Chtulhu" ou "Nas Montanhas da Loucura". "Ar Frio" se encaixava bem no que eu estava procurando por esse caráter menos espalhafatoso em termos cósmicos e, como você bem disse, focado no body horror, que é um dos subgêneros de que mais gosto no terror. Sempre achei que a ambientação contida do conto ficaria perfeita para uma adaptação no cinema nos moldes do que Alfred Hitchcock fez com "Psicose", que aliás foi escrito por um amigo pessoal de Lovecraft, Robert Bloch. Fiquei muito feliz por meu colega de empreitada na graphic novel, Val Oliveira, ter captado tão bem esse aspecto do material original e com sua arte ter registrado tão bem a transformação por que passa o doutor Muñoz.



Diego Aleluia Jaffre: As obras de Lovecraft possuem algum espaço especial em sua carreira como roteirista?


Romeu Martins: Lovecraft foi um cara que mesmo vivendo praticamente como um ermitão no nordeste dos Estados Unidos da Era da Depressão conseguiu estender pós-morte sua influência por todos os cantos do mundo. Cruzou fronteira não só pela Ásia, com os mangás de Gou Tanabe, na Europa, com Neil Gaiman, mas também aqui pela América do Sul, com Jorge Luis Borges e Alberto Breccia. Com certeza estou entre os influenciados por ele. Antes mesmo dessa coleção de adaptações, eu já havia colocado Chtulhu no roteiro da primeira HQ que escrevi por contrato: Justiceiro Joceli e a Ilha da Ponte de Prata, de 2015.


Diego Aleluia Jaffre: Ar Frio carrega em si um traço bem característico de seu autor, a resistência a vida urbana. Como você encherga esse lado do horror cotidiano tanto em Lovecraft quanto em outras obras?


Romeu Martins: "Ar Frio" foi um dos contos que ele escreveu ao viver o verdadeiro trauma que representou deixar sua amada cidade de Providence para morar por algum tempo na cosmopolita Nova York. Lovecraft precisava tentar exorcizar esse trauma e fez isso do modo que era capaz como ninguém, produzindo terror. Existe todo um subgênero chamado Fantasia Urbana, que é uma bela mistura de fantasia, terror e policial, que gerou algumas das minhas histórias favoritas. George R. R. Martin, aquele dos livros que deram origem a Game of Thrones, ajudou a organizar uma antologia que recomendo muito e já foi publicada no Brasil: Ruas Estranhas.


Diego Aleluia Jaffre: Dentro dessa coleção da Skript, qual obra é sua favorita? E tem alguma razão especial?


Romeu Martins: Minha favorita é a primeira, A Cor que Caiu do Espaço, que também fiz com Val Oliveira. É a adaptação do conto de que mais gosto de tudo o que li de Lovecraft, tanto que quando o editor me perguntou o que eu gostaria de adaptar para quadrinhos, foi minha primeira resposta. Ali existe o desafio de apresentar aos leitores algo simplesmente impossível: uma cor que não existe. Eu fiquei muito feliz com aquela parceria com Val e com Sandro Zambi, que foi quem aplicou a cor magenta em nossa HQ em preto e branco, e mais ainda quando ela foi escolhida como melhor quadrinho fantástico pelo Prêmio Odisseia. Ainda mais por tal honraria ser organizada por Duda Falcão, um dos maiores especialistas em Lovecraft do Brasil.



Diego Aleluia Jaffre: Dentre os diferentes tipos de horror, algum em especial se destaca nas suas obras? E se sim, você acha que diz algo sobre suas influências ou estilo de escrita?


Romeu Martins: Comecei em 2010 publicando contos de ficção científica, que é uma paixão de infância. Os contos de terror vieram logo em seguida, mas sempre tentando fazer essa mistura com FC, que a geração da revista Weird Tales, da qual Lovecraft, Bloch, Robert E. Howard, e tantos outros dos meus ídolos literários fizeram parte. Posso dizer então que esse tipo de ficção weird é o que mais gosto de ler e tentar praticar, seja em contos, seja nos quadrinhos.


Diego Aleluia Jaffre: Recentemente o livro "Território Lovecraft" ganhou uma adaptação pelo canal HBO, tanto o livro quanto a série trazem uma nova abordagem à literatura lovecraftiana. Como você vê esse movimento de re-interpretação de autores polêmicos como Lovecraft ?


Romeu Martins: Acho que é o caminho natural que um gênero como o terror deve seguir. Lovecraft, em sua época, cem anos atrás, procurava explorar os medos de sua geração no que escrevia, usando o conhecimento da época, por exemplo, a descoberta de Plutão. Algo naqueles contos ainda dialogam sem dúvida com a sociedade de hoje, é isso o que faz deles um clássico. Agora, se nos propomos a adaptar esses textos, é o esperado um esforço de nossa parte para que o resultado converse ainda mais com o público atual, do contrário bastaria a mera tradução. Nem sempre o material fica à altura do original, mas é preciso ao menos tentar fazer isso. Uma obra dos quadrinhos que acredito ter feito isso muito bem foi Providence de Alan Moore.



Diego Aleluia Jaffre: Atualmente muitas mídias passaram por um período em que as narrativas de terror se apoiaram bastante em jump scares e gore explícito, como você vê o legado do horror indescritível de Lovecraft ?


Romeu Martins: Jump scares são ferramentas que, como costuma acontecer, podem ser bem ou mal utilizadas. Na maioria das vezes acabam virando truques baratos e meio preguiçosos para arrancar gritos nas salas de cinema e funcionam bem menos para quem gosta de uma abordagem mais psicológica e de construção de tensão em seus filmes. Eu gostaria muito de ver obras de Lovecraft adaptadas para a tela por diretores que exploram outras ferramentas para contar suas histórias. Imagine "Ar Frio" nas mãos de David Cronemberg e "A Cor que Caiu do Espaço" de Ari Aster. Sem dúvida eu pagaria ingresso para ver isso.


 


ONDE COMPRAR:


A Cor que Caiu do Espaço


Ar Frio


A Fera na Caverna




Entrevistas
https://www.cinehorror.com.br/entrevistas/romeu-martins-e-a-arte-de-adaptar-lovecraft?id=887
| 438 | 10/09/2022
Romeu Martins é ganhador do Prêmio Odisséia Fantástica pela adaptação de A Cor que Caiu do Espaço, lançado pela editora Skript.
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