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OS PROIBIDOS

Por: Saul Mendez Filho

Não entendo as razões pra um filme ser banido ou cortado. Principalmente quando o filme tem tantas qualidades quanto Saló ou Os 120 dias de Sodoma, filme dirigido por Pier Paolo Pasolini inspirado por um conto do Marquês de Sade. O diretor transfere a história do conto para a itália de um fascismo decadente, onde basicamente os poderes judiciário, religioso, político e militar se reúnem em uma festa de extravaganza com jovens sequestrados de ambos os sexos. A idéia é a tentativa de “forçar” uma libertinagem excessiva naqueles jovens promissores, estimular a falta de qualquer regra ou grilhões sociais e a crua natureza animal. Para ajudá-los na façanha, 3 prostitutas velhas passam o filme todo a descrever momentos particulares de suas vidas, resumidos a relatos sexuais onde o próprio corpo é um mero objeto que pratica atos sem qualquer profundidade – e isso é para “estimular” a libertinagem nos jovens. Filme implícito mas pesado, que, no entanto, é carregado de um intelectualismo incrível. Tudo o que seria feito de forma natural (a descoberta sexual por exemplo), ao ser forçado, perde o sentido e toda vontade se dissipa.



Os jovens não conseguem corresponder àquilo que era esperado deles. O filme de Pasolini é esteticamente belo na decadência e se posiciona como teoria, mais que como entretenimento. Nos créditos iniciais, é apresentada inclusive uma bibliografia essenziale para apreciar a obra em sua plenitude:


Roland Barthes – “Sade, Fourier, Loyola”
Maurice Blanchot – “Lautréamont et Sade”
Simone de Beauvoir – “Faut – il Brûler Sade”
Pierre Klossowski – “Sade mon Prochain. Le Philosophe Scélérat”
Phillippe Sollers – “L’écriture et L’experience des limites”


Não por acaso o diretor foi encontrado morto logo após o lançamento de seu filme, permanecendo um mistério se o que ocorreu foi ou não um crime político. Embora tenha alcançado o coração de todos os cinéfilos caçadores de pérolas da obscuridade, o filme não éfeito no intuito de ser um exploitation, e não chega nem perto disso; na verdade, não há qualquer prazer ou curiosidade naquilo que vemos, senão que tudo é apresentado de forma humilhante e sem excitação. enquanto um exploitation quer alimentar o interesse do espectador, tanto no choque quanto no gozo, o filme de Pasolini age de maneira contrária, onde todo e qualquer momento que parece iniciar-se em um crescendo é desmoronado através de uma atitude repressora por parte dos 4 poderes. Uma curiosidade é que o filme Anticristo de Lars Von Trier segue uma espécie de roteiro semelhante, dividido em capítulos a primeira vista sem rumo qualquer, mas calcados em temáticas claras voltadas a algum tipo de sofrimento que é sofrido pelos personagens. Mas enquanto Von Trier alimenta suas teorias misóginas, o filme de Pasolini é o grito de desespero preso na garganta de uma humanidade que se perdeu. Esteticamente também, Saló é impecável: apesar dos cenários contados nos dedos, a disposição de figuras humanas fazem de cada cena um quadro renascentista. Perfeição nos mínimos detalhes.


Em um extremo oposto ao idealismo teórico, um filme (também) bem realizado em suas qualidades estéticas e com um roteiro que apela à documentariedade mondo, o (também) proibido e (também) diferente Cannibal Holocaust é “o” queridinho dos fãs da subversividade no cinema. Filme que vi já há algum tempo, consegue ser marcante pela exploração de cenas grotescas comumente apresentadas sobre uma ótica culturalista (embora esteja claro, para nós brasileiros, que são absurdos que nada têm a ver com a cultura indígena das tribos da amazônia, que eu saiba pelo menos naqueles idos de 1970). No filme, alguns sanguessugas da indústria cinematográfica decidem produzir um documentário a respeito de uma extremamente violenta tribo indígena da América do Sul, conhecidos por praticarem a antropofagia. O que acaba restando da equipe que viaja para realizar o filme, além de sua ossada (claro), é uma fita de vídeo que mostra o temido ritual antropofágico, espécie de snuff captado pela câmera que cai sobre as folhas secas no momento em que a galera é “caçada”.



O filme inicia com os produtores assistindo a uma exibição da fita e ficando chocados, ao que se segue uma discussão a respeito do lançamento ou não desse filme, o que chocaria as platéias do mundo inteiro. Claro que, nesse ponto, nós não vemos o que se passa na tela do projetor, apenas a reação dos que assistem. Desse ponto, o filme retorna pra mostrar os dias que a equipe passou na mata amazzônica, e tudo o que eles presenciaram, até por fim serem exibidos a nós as mesmas cenas que os produtores assistiram no início do filme. O snuff exibido, por fim, terminamos de ver a discussão que é gherada na sala de projeção, com a grande questão: “teremos lucro, mas, o público realmente precisa disto?” […] Apesar do roteiro bem calculado, e da crítica que se coloca à indústria cinematográfica do exploitation setentista (irônicamente uma crítica DENTRO de um exploitation setentista), o filme só será lembrado por suas cenas de crueldade com animais, das quais destaco a dolorosa morte lenta de uma tartaruga enorme. Fora isso, temos algumas cenas de doer o saco, como uma mulher amarrada a um tronco (presa pelo crime de traição) levando uma pedra enorme na vagina, a processo lento; uma sequência de aborto, com uma mulher perto dos 9 meses também amarrada a dois troncos, enquanto outras estão bem ativas na prática de enfiar algum tipo de amaranhado de talos de planta dentro dela – o feto é retirado e enterrado na lama; e outra cena também percebida aqui como uma crítica, já que perante tanta atrocidade, dois caras da equipe de filmagem pegam uma indiazinha de uns 16 anos e estupram ela brutalmente na lama, em uma completa incapacidade de comoção e numa exposição clara do egoísmo próprio da indústria de cinema da época.



Um outro filme proibido e infelizmente pouco visto é o ótimo Trás El Cristal de Agustí Villaronga, filme espanhol de horror fantástico dos anos 80. Este trata da identidade/subjetividade de uma forma incrível. Um ex-nazista sádico e gay matador de criancinhas está preso a um “pulmão de aço” sem o qual não sobreviveria. O garoto contratado para ser enfermeiro é uma vítima sobrevivente que voltou para clamar por vingança. Mas não é só isso. Ele toma por exemplo as aberrações cometidas por seu ex-algoz, e vai aos poucos assumindo a identidade daquele que tanto passou a admirar em sua frieza, e começa a matar diversas crianças também, por estrangulamento, injeção de ar, etc, forçando as mesmas a antes se despirem, cantarem, por aí vai. A filha do ex-nazista, por sua vez, tem admiração por seu atual algoz – o enfermeiro que dominou sua casa através do medo – e, por fim, temos uma imagem de como os exemplos que damos tornam possivel a prevalecência comportamentos violentos na história da humanidade. A criança é a metáfora de tudo neste filme. Apesar de sua temática pesada, a cinematografia perpassa Mario Bava, Hitchcock, e um estilo poético campesino próprio do cinema hispânico. Um dos melhores filmes de horror fantástico que já assisti, é indispensável por sua qualidade e mesmo por ser uma obra única dentro do gênero,  incomparável com qualquer outro filme.


Seja por uma característica ou outra, estética ou idealista, nenhum filme deveria ser picotado ou completamente banido de entrar em algum país. Mais uma coisa a se agradacer ao nosso acesso virtual (pobres chineses, isso sim): quando não se encontra na locadora ou em qualquer lugar por qualquer motivo, baixa na net! Quem é contra?


Matérias
https://www.cinehorror.com.br/materias/os-proibidos?id=440
| 5164 | 17/09/2019
Seja por uma característica ou outra, estética ou idealista, nenhum filme deveria ser picotado ou completamente banido de entrar em algum país.
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